Música Sobrenatural

Lis 


Ghost Dance do Oliver Shanti: quando você escutar isso com certeza vai imaginar cemitérios, ou florestas assombradas cheias de neblina e pode ser até que você sinta alguma presença aí perto...

A vibe sobrenatural nessa música é fortíssima. É uma obra-prima do Sr. Oliver.

E tipo, não é aquele tipo de música de filmes de suspense. A música é meio rústica e ágil, soa como um ritual ancestral; é gélida, cria uma atmosfera sinistra, e quase hipnotiza a gente. Eu nunca escutei nada parecido.

Se você tem coragem, joga no Youtube, conecte os fones e bora sentir a parada. E desafio você escutar isso enquanto visualiza fotos de aparições misteriosas...

Mas se você tem uma tendência a sentir um cagaço dessas coisas fantasmagóricas, melhor nem arriscar.


Quando não é pra ser...

Lis 

Desliguei o telefone, e comemorei. Um ano procurando emprego, poxa! Até que enfim!  

Depois que a entrevista foi agendada eu tive uma semana pra me preparar: pesquisei sobre a empresa, ensaiei respostas para as pegadinhas clássicas, escolhi a melhor roupa, conheci o local da entrevista com antecedência, descobri três linhas de ônibus que me deixam bem perto, e calculei que a minha menstruação acabaria antes, ou seja: sem cara inchada. Oba. 

Saí de casa pronta para conquistar a vaga. 

Cheguei lá com folga de meia hora, passou rapidinho, o tempo estava lindo. 

E tipo, era só eu. Não tinha concorrente. 

A entrevistadora me chamou, e daí devo ter ficado mais ou menos quarenta minutos conversando com ela; ela fez várias perguntas, quis saber mais sobre mim, e tal. 

O clima na empresa era tranquilo, com aquele silêncio das nove horas da manhã. 

E eu, cuidando da linguagem corporal, disfarçando muito bem o nervosismo, eu arrasei nas respostas, tirei dúvidas, consegui ser criativa e fugi de clichês. Brilhei. 

Só que não. Em quarenta e oito horas a resposta não veio. 

Não fui contratada. 


Agora olha só que impressionante: no mês seguinte outra vaga de emprego apareceu, desta vez num aplicativo que baixei no celular. 

Sem botar muita fé nisso, liguei e agendei a entrevista para daqui a dois dias, numa cidade vizinha, longe pra caramba. Gastei um dia pra tentar descobrir um ônibus que me deixava lá, e no outro eu teria que acordar cinco horas da manhã se quisesse chegar; Fiquei sem saber com qual roupa ir, a calça que eu queria estava meio suada; perdi uma hora experimentando várias roupas por causa do maldito inchaço pré menstrual. Custei fazer a maquiagem por causa do choro. Minhas sardas e olheiras gritavam, uma espinha se formava na lateral do meu nariz, mas eu já estava atrasada. 

Catei um punhado de biscoito e saí comendo pela rua afora. 

Perdi um ônibus, vazio. 

Quinze minutos depois veio outro, lotado, porque já começava a hora do rush. 

Gastei duas horas pra chegar lá na casa do caixaprego, onde mais três meninas, bem mais apresentáveis do que eu já esperavam pela entrevista. 

Pra piorar, choveu e eu não tinha levado sombrinha. E pra variar, a entrevistadora mandou um zap pra todas nós, avisando que demoraria um pouco por causa do trânsito.

Sem lugar pra assentar, ficamos espremidas debaixo daquela marquise ridícula de tão pequena. 

Todo mundo puxou papo com todo mundo, mesmo assim o tempo custou passar. 

A entrevista aconteceu na cantina da empresa. As faxineiras ainda estavam terminando de limpar o refeitório. As mesas estavam sujas. Era uma agitação, uns odores de lixeiras sendo esvaziadas, um entra e sai de gente, um sem-graceiro básico...
"Por que você ficou esse tempo todo sem trabalho, Lis?" 
"Oi...?"

Parecia um troço meio improvisado. Pelo menos o clima era bem descontraído. Mal tive oportunidade de abrir a boca. Senti que formulei frases bem idiotas, aliás. Não consegui esconder o nervosismo, eu esqueci de lembrar de parar de balançar os pés: a entrevistadora reparava tudo, tudinho. 

Fomos liberadas depois de quinze minutos. 

A chuva engrossou antes que eu conseguisse chegar ao ponto de ônibus, que nem era o meu.  

Cheguei em casa ensopada. O que me restava de esperança já tinha escorrido pelo caminho. 

Tomei um banho, amargando a perspectiva de um 2019 sem emprego, e sem um tostão no bolso. 

Fui tentar afogar minha frustração com um café bem forte. A preocupação era muito grande, não me deixaria ter o luxo de tirar um cochilo.  

Até que ouvi a notificação do Zap; fui aprovada. Salário maior que o da vaga anterior, e local próximo de casa. Oba!

Moral da história... Tá, não posso reclamar, mas parece que a vida faz a gente de trouxa. 😁


Feia: Uma história de Terror

Lis 


Chorei litros; pessoal aqui em casa até achou que tinha algo errado comigo e insistiu pra que eu falasse. Eu expliquei que era por causa desse livro, mas acho que ninguém acreditou e ficou parecendo que eu estou escondendo alguma coisa. 

Acabei o livro ontem, mas estou angustiada até agora. 

O pior desse livro não é nem o teor da narrativa; o pior é que o monstro dessa história de terror é REAL. Pode existir aí na sua vizinhança, pode frequentar sua igreja, pode ser da sua família ou estar na sua casa. O monstro da história é uma mãe. 

No maior papo reto, Constance Briscoe, ou Clare, conta como foi perseguida e castigada psicologicamente, moralmente e fisicamente pela própria mãe Carmen, na Inglaterra dos anos 60. 

Constance tinha outros irmãos, mas o bode expiatório era ela. Ela viveu o pior tipo de sofrimento e o pior tipo de solidão, já que ela não tinha amigo nenhum, e não podia contar nem com irmãos, nem com o próprio pai, sempre ausente, sempre esquivo. Além de tudo, ela padecia de enurese noturna; às vezes ela era obrigada a dormir com roupas, cobertores e lençois molhados, isso quando a mãe não lhe tirava a cama, e ela tinha que improvisar um colchão de roupas velhas no chão.  

A única coisa que eu achei meio esquisita na narrativa é a frieza e indiferença dos professores do colégio onde Constance estudava. Tudo bem, os tempos eram outros, e talvez os ingleses sejam mesmo muito frios e indiferentes, mas achei esquisito nenhum professor nunca desconfiar de nada, nem oferecer ajuda, nem quando Constance manifestou um pensamento suicida na aula de religião, nem mesmo quando ela foi pra escola com olho inchado e escoriações da surras que levava em casa. Ou talvez alguém ficasse preocupado e a própria Constance é que não percebia, não conseguia identificar. 

Minto: algumas pessoas até tentaram abordá-la pedindo explicações sobre algumas coisas, mas percebi que ninguém foi além do que ela dizia. Era óbvio que tinha alguma coisa muito errada acontecendo com aquela criança, e que ela estava escondendo a verdade por medo das consequências, mas ninguém queria se envolver muito. Ninguém queria defendê-la. Nenhum carinho por ela. E quando surgiu alguma coisa não era nada verdadeiro; não houve nenhum refúgio, nenhum oásis naquele deserto afetivo.

E eu, leitora, com sangue fervendo, lágrimas nos olhos e sede de justiça fiquei esperando surgir alguém pra fazer alguma coisa, fiquei ansiosa quando alguma figura na história manifestou misericórdia, fiquei querendo mais pela vida de Constance, mas aí aquela faísca de esperança é arrancada do nada, desaparece, some, e sobra um vazio horrível no peito, mais o temor de que as coisas pudessem piorar. 

E pioram. Senti muita aflição quando organismo de Constance começou a sucumbir, lesões apareceram, cabelos caíram quase todos, ninguém foi visitá-la no hospital...      

Cada um é de um jeito né: Eu teria enlouquecido. Minha irmã desistiu. Constance passou por isso, formou-se advogada e nos contou sua história.   

O narcisismo materno não é mencionado nem referenciado no livro. Mas pra quem já sabe o que é esse distúrbio, a história é clara e franca demais. A gente se sente dentro da casa de Constance, vivendo junto com ela, sentindo suas dores, chorando suas lagrimas, amargando a negligência e o abandono, experimentando angustiantes paranoias, enfrentando medos e sofrendo sustos. 

Sendo apenas sincera, Constance expôs a personalidade e o modus operandi desse tipo de mãe. É até difícil de acreditar que isso tudo aconteceu mesmo, porque é tão bizarro, tão bizarro, que a gente fica se perguntando como é que uma criança conseguiu sobreviver em condições tão hostis. 

É tabu falar da própria mãe. E graças à coragem dessa guerreira inglesa, posso imaginar um futuro mais acolhedor aos filhos de narcisistas, que já enfrentam muita desconfiança e descrédito, graças à idealização e até mesmo sacralização da figura materna. 

Essa é uma história de terror, horrível, mas necessária, e para alguns ela é libertadora. 

Extrema-Unção

Lis 

Chovendo sem parar desde ontem e uma coisa triste dessa: a Hamster moribunda na clínica veterinária e o dono, um senhor de uns sessenta anos, muito magrinho e sensível, segurando a gaiolinha como quem segura um tesouro.

A hamster não tinha a patinha direita traseira, perdeu num acidente com a rodinha. Deitada de qualquer jeito na serragem, e ensopada de suor, Dentinho não podia se mover, embora ainda respirasse. Ela tremia de um jeito estranho.

Era meio óbvio que a hamster logo morreria. Não dava pra deduzir o que ela tinha; de qualquer forma, era um castigo muito pesado pra um pingo de bicho que se chamava Dentinho porque "sorria" demais.

Eu já tinha sido atendida. A vez do dono da hamster chegou, mas ele deixou que outra pessoa passasse na fente, para que ele tivesse tempo de controlar a tristeza.

Eu fiquei ali um pouco pra dar um suporte, mas a tristeza do senhorzinho me baqueou. Até minha Luna, que só estava com uma leve alopécia por falta de nutrientes, ficou mais quieta que o normal.   

O senhorzinho sussurrava e fungava. Já parecia meio conformado.

- Não deu, né, Dentinho...? Não deu, neném... Não deu...

Voltei pra casa com isso na cabeça - "Não deu".

Nunca vi ninguém dizer isso pra alguém que estivesse perdendo a chance de viver. Achei de uma extrema sensibilidade essa expressão; meio que um tipo afável de extrema-unção.

A lição do Jon


Eu já pegava as chaves pra sair e veio o Arne: - Vai passear com tia Lis, Jon. 

E nem deu tempo de pensar; Jon apareceu empurrando a bicicletinha, cheio de expectativa; desde algum dia por aí ele aprendeu que passear significa bicicleta, e não seria naquele minuto que ele iria desaprender, né... 

Nem falei nada, porque o Arne andava meio cismado comigo, me percebendo distante demais dos seus filhos. Ele tinha razão, mas... 

Saí com aquele frio na barriga, imaginando todos os riscos que eu deveria evitar. Eu só tinha que ir ali ao supermercado, mas nunca antes na história da minha vida eu passeei sozinha com uma criança.

E foi gratificante a oportunidade de ficar inteiramente reponsável pelo Jon. Foi gratificante ver que ele ficou bastante alegrinho por passear comigo. Foi gratificante ver o quanto ele gosta de mim e que eu finalmente havia conquistado a confiança dele.

Eu tinha dúvidas se existia mesmo alguma conexão entre mim e meu sobrinho. Eu já tinha percebido que ele queria se aproximar de mim; Várias vezes eu abri a porta do meu quarto e dei de cara com um pinguinho de menino curioso pelas músicas que eu ouço, mas várias vezes ele saiu correndo, com medo. Véi... era angustiante. Será que é alguma coisa com ele, ou será que o problema sou eu?

Claro que sou eu: o Jonzinho estava sendo simplesmente o reflexo de uma pessoa fechada demais, que só fica isolada no quarto. 

Agora to aqui rindo e lembrando do Jon na seção de refrigerantes, encostando o dedinho em cada garrafa, dizendo: gananá, gananá, gananá... A porta do quarto está aberta. E o Jon tá logo ali brincando de Lego. 

Como Conquistar um Headbanger


Queremos ajudar você que tá a fim de um headbanger e achou esse textão porque não sabe mais o que fazer. 

Ficar é fácil. Se você quer dar uns pegas, não terá muito trabalho. Mas se quer namorar a sério, siga lendo.  
Pensa no cara que você gosta. Agora se pergunte: por que o cara tem que ser metaleiro? Certo, todo mundo tem suas preferências, não há nada errado nisso. Só que tenta moderar o idealismo. 
Teste sua racionalidade: se você convive (estuda ou trabalha) ou já troca ideia com o seu crush metaleiro, tente imaginá-lo de roupas comuns, de cabelos curtos, ou sem barba. Tenta imaginá-lo meio calvo e um pouco barrigudo, porque é exatamente assim que a maioria dos metaleiros vão ficar daqui uns anos. Conseguiu imaginar? O que você sentiu? Relacionamento significa ter um futuro e todo mundo muda muito ao longo da vida. Se você só tá a fim dele porque ele é cabeludo e anda de visu, se liga, fetiche nenhum sustenta relacionamento. 

Se você quer só ficar, nem perde tempo lendo esta nossa dedicada tentativa de ajuda. 


Bicho complicado

O que você faria pra conquistar um cara comum? Então, pra conquistar um headbanger faça quase mesma coisa. Você só precisa entender que o headbanger é um tipo mais complicado.

Metaleiro se faz de difícil e não sabemos explicar o motivo dessa frescuragem. Tem metaleiro que fica olhando enviesado, tem metaleiro que mete logo uma cara feia, talvez querendo intimidar...  Algum lance desses vai acontecer e vamos avisando: 
Se o cara brinca de te desprezar, corre; é um bostão que se acha e que tá mal acostumado com as maria-xampu correndo atrás.  
Esse cara pode até te dar ideia, mas só quer se divertir vendo você se humilhar e só quer te ver sem sua camiseta do Iron Maiden. 


Se você se sentir mal perto do cara, ou constrangida, triste, ou diminuída, sai fora. É sua intuição avisando que vai dar merda. 

Mas se o cara continuar na sua, se você perceber que ele te olha, que ele fica diferente perto de você, e se estar perto dele é bom, é só deixar rolar, que ele também quer. Se o cara é legal, não desista, há esperança pra você, porque maioria dos metal quer ter uma namorada. 

Aparência 

Ser do metal não é o mesmo que ter caráter ou inteligência. Certo, dá pra supor o Q.I. pelo gosto musical, mas a cena Metal está longe de ser o Olimpo da Genialidade. Os caras mais inteligentes que curtem Heavy Metal costumam ser aqueles que nem fazem tanta questão de mostrar que curtem. E sem querer sermos pessimista já sendo, tem mais gente boa que curte Sertanejo do que Metal.

Se você já sabe o que quer, se já conseguiu trocar ideia com o cara e acha que vai dar certo, agora é só fazer o último teste pra ter certeza: pergunte pra ele o que o Heavy Metal significa pra ele. Se ele responder seriamente que Heavy Metal é um estilo de vida, ou algo parecido com isso, você caiu na estaca zero. 

Se o cara quer montar bandinha, quer ser famosinho e não quer trabalhar, cai fora. 

Tipo, não fique iludida pela ‘fidelidade’ que o cara tem pelo Metal. Isso significa que: o cara não saiu da fase de autoafirmação - ou que ele vai investir mais em discos, shows e indumentária e vai querer fugir das responsabilidades.  
Se essa fantasia de metaleiro tr00 from Hell é uma prioridade na vida dele, vai sobrar pouco tempo, espaço, paciência e grana pra fazer outra coisa, menos ainda com alguém. É caro ser headbanger, e mais caro ainda ser fanático.

Atenção com você

Garota vulgar, marrenta, que bebe e que fala palavrão tem outro nome que não convém escrever. A representação feminina no Metal ainda é meio pejorativa; atitude metal verdadeira é quebrar o estereótipo em vez de copiar. (Hey, moça, esse texto é pra você).

Ser parecida com alguma artista não é requisito pra namorar um metaleiro. O cara tem que gostar de você do jeito que você é. 

Curtir Metal e saber de tudo sobre bandas não garante que o headbanger vá gostar mais de você. Ele só vai ficar tranquilo; porque é menos uma pra criticar o criticado gosto musical dele.

Não seja uma rival se você quiser ter um aliado. Nesse mundo tá sobrando gente que fala, quem sabe ouvir é raro. O headbanger tem necessidade de mostrar que saca muito de som. Ele é um cara muito musical. Ele vai ficar feliz em perceber que você tem interesse em aprender algumas coisas com ele.

Então 

Fique ligada, o mundo Heavy Metal é um mundo liberal.
Mas tudo que dura, que é eterno, que presta, pertence ao mundo conservador, incluindo aí o relacionamento e a fidelidade.
É difícil sair alguma coisa que presta de um mundo liberal.

Operação pente fino nos cabeludos. Não perde seu tempo com qualquer um. 

Boa sorte.


Doente


Ônibus cheio. Eu e Arne de pé, segurando nos canos amarelos, e no assento à nossa frente dois adolescentes cochichando:
- Dá lugar pro cara. - disse o que estava no lado da janela.
- Quê? 
- Levanta aí.
- Pra quê?
- Do seu lado aí... 
- Hein?
- Olha.  
O menino no lado do corredor não tirava os olhos do braço rosa e peludo do Arne, que contrastava muito com o cano amarelo. 
- Levanta aí, zé. 
- Pra quê, carai...? 
- O cara é doente, mano. 
- Né isso não... 
- É sim, mano, levanta aí, porra. 
- Péra, sô. 
O menino da janela se levantou. - Pode sentar aqui, senhor.  

Descemos depois de um tempão. 
Caminhando pro nosso destino, notei o Arne pensativo. 

- Albinismo é doença? - perguntei pra ele. 
- Hoje eu deixei ser. 
- Como assim?
- Não era pra eu assentar.