Extrema-Unção

Lis 

Chovendo sem parar desde ontem e uma coisa triste dessa: a Hamster moribunda na clínica veterinária e o dono, um senhor de uns sessenta anos, muito magrinho e sensível, segurando a gaiolinha como quem segura um tesouro.

A hamster não tinha a patinha direita traseira, perdeu num acidente com a rodinha. Deitada de qualquer jeito na serragem, e ensopada de suor, Dentinho não podia se mover, embora ainda respirasse. Ela tremia de um jeito estranho.

Era meio óbvio que a hamster logo morreria. Não dava pra deduzir o que ela tinha; de qualquer forma, era um castigo muito pesado pra um pingo de bicho que se chamava Dentinho porque "sorria" demais.

Eu já tinha sido atendida. A vez do dono da hamster chegou, mas ele deixou que outra pessoa passasse na fente, para que ele tivesse tempo de controlar a tristeza.

Eu fiquei ali um pouco pra dar um suporte, mas a tristeza do senhorzinho me baqueou. Até minha Luna, que só estava com uma leve alopécia por falta de nutrientes, ficou mais quieta que o normal.   

O senhorzinho sussurrava e fungava. Já parecia meio conformado.

- Não deu, né, Dentinho...? Não deu, neném... Não deu...

Voltei pra casa com isso na cabeça - "Não deu".

Nunca vi ninguém dizer isso pra alguém que estivesse perdendo a chance de viver. Achei de uma extrema sensibilidade essa expressão; meio que um tipo afável de extrema-unção.