Levando na Esportiva

por Lis 

Topei um passeio com uma amiga nesses dias. E a pessoinha atrasou pra caramba. Então eu fiquei lá, igual dois de paus, ralhando várias hipóteses:

- O atraso é sinal de desrespeito pelo meu tempo – eu me coloquei no centro da questão.

- A pessoinha se atrasou para me dar um chá de cadeira propositadamente – aí eu me coloquei no centro da questão de novo e pensei ainda que ela queria me pirraçar.  

Tá bom, essas hipóteses podiam ser verdades, mas pense Lis, o que mais o atraso pode significar?

- Talvez o atraso seja motivado pelo trânsito, ou por algum imprevisto qualquer que fugia do controle dela. Ufa. Pronto. A amizade foi conservada e o passeio foi legal. Dorei.

Voltei filosofando no busão. Até me esqueci de dar o sinal e acabei descendo beeem longe do lugar de costume, mas aproveitei a caminhada pra acabar de filosofar.

É muito feio, mas muito ridículo mesmo, dar a nós mesmos uma importância maior do que realmente temos.

Então. Gente com uns parafusos a menos, que realmente quer fazer hora com nossa cara de propósito, é bem menos comum do que gente que acaba fazendo hora por questões particulares ou puro nonsense mesmo.

Diante disso tudo aí, uma pequena atitude é decisiva: levar as coisas na esportiva, que é a arte de retirar-se do centro do Universo. Aposto que já inventaram até um manual pra isso, de tão legal e de tão útil.

Levar a vida na esportiva ajuda desencanar. E uma vida mais desencanada é uma delícia de viver. Todo mundo tinha que experimentar não se levar tão a sério. Não dói e descansa a beleza.

É mandar longe a paranoia e ser feliz.

Bicho Esquisito em (Minha) Casa

 Lis 

Lá ia ele bem devagar, bem no meio do corredor. Fiquei olhando para ele... E me lembrei da noite anterior, quando ele invadiu minha casa. Com estabilidade de teco-teco, ele fez um rasante na minha testa, bateu na parede, decolou, bateu no teto, rodopiou, decolou de novo, entrou na luminária e me obrigou a dormir na sala.

Então, ele continuava ali andando. Na maior cara de pau.

- Fi´damãe, vou quebrar seu galho, tá? – e enchi a bicuda no bicho.

Ele deslizou pela cerâmica, parando uns três metros à frente. Encolhido e imóvel.

- Morre, praguinha. Morre...  

Não morreu nada; continuou andando, lerdaço, mas continuou.

Embicudar ou esmagar?
Levantei o chinelo.  

“Agora ferrou”, ele deve ter pensado; porque ele se encolheu e ficou quietinho, esperando pela morte. “Pra que isso, véi?”

Né? Covardia.   

Calcei o chinelo de novo. Agachei e cutuquei o bicho. Ele se mexeu devagarzinho. Bem devagarzinho até parar.
Derramei uma aguinha perto dele. Ele se arrastou até ela, bebeu um pouco e de repente se recuperou. Aí andou depressinha...

- Vem aqui, vamos bater um papo. – Peguei o bicho, morrendo de medo de ele me fincar, morder, picar, ou sei lá.

Não, ele só curtiu o quentinho da minha mão, só isso. Depois começou a explorar meu braço. Dava uma gastura danada, mas tipo...  

- Você voa mal pra cacete, hein, carinha? Queria adotar você, mas acho que não vai rolar. Eu acabei de embicudar você, né... Todo mundo adora embicudar e esmagar sua galera e ninguém tá nem aí. Eh... Os Direitos dos Animais não te protegem... Não sei por quê. Deve ser porque você é esquisito... Coitadinho. O ser humano é assim também, sabe? Muito relativo.

O bicho parou no meu cotovelo. Depois voltou devagarzinho para a minha mão.  

- Mas liga não, cascudo. A vida é injusta mesmo. Seria pior se você fosse um pernilongo. Pensa bem... Vai lá fazer o desjejum.  

E aí eu coloquei o bicho na terra, no meio do mato. Daí um pouco ele sumiu. 

Fiquei pensando nele. Pensei nas abelhinhas inofensivas que invadiram a estante do Arne. Pensei no morceguinho que outro dia mesmo ficou preso na cerca ali fora e morreu. Pensei nas cigarras barulhentas. Pensei nos passarinhos amarelinhos que ficam pousados nos fios dos postes, parecendo notas musicais na pauta. Pensei nas bruxinhas beges que ficam circulando a lâmpada de noite. Pensei nos calangos verdes, que parecem miniatura de jacaré e respiram bem devagarzinho. Pensei nas formigas vermelhas que comeram o manjericão e a salsa lá na horta. 

Eh... Eu fiz mais que obrigação de não esmagar o cascudo. 
Ele não invadiu a minha casa. Eu que invadi a casa dele. Cara de pau é a minha.  


Você é o que você veste

Eu queria escrever uma boa crítica sobre esse lance de tribo urbana, mas não vale a pena gastar meu sofrido português na esperança de fazer alguém pensar.

Primeiro que quem quer fazer parte de alguma tribo urbana não se pergunta o porquê de fazer isso. Não pensa, não reflete, tanto pela idade, geralmente são jovens, quanto por causas psicológicas, tipo vontade de ter uma identidade, pertencer a algum grupo, ter amigos etc. Espalharam por aí que isso de ter uma tribo é necessário, a psicologia moderna deu a bênção, então tá bom.   

Mas se eu pudesse dar uns conselhos pra cada um que pensa em mudar estilo por causa de som ou por vontade de ser diferente, os conselhos seriam estes:
1- NÃO FAÇA ISSO. Ter uma tribo não te beneficia em NADA e você pode se arrepender disso depois. É frustrante tentar fazer amigos em tribos urbanas, todos querem ser o alfa. Ou você é o cara, ou você é o puxa-saco do quem é o cara. E mudar o visual por causa de ideologia vai causar sempre o contrário do que você espera.  

2- No futuro, você verá que ser normal é extremamente confortável. Ser respeitado por ser mais um do mesmo garante mais chances na vida do que ser temido por ser um estranho.
Por exemplo, a tribo urbana mais comum é a tribo metaleira (headbanger é a PQP, seu paga pau de gringo) Ninguém gosta de metaleiro. Nem metaleiro gosta de metaleiro, muito menos de metaleira, só pra começo de conversa.

Metaleiro não é bem vindo em lugar nenhum. Mesmo que o cara seja PhD em qualquer coisa ou tenha sido laureado com premio Nobel, a primeira coisa que galera vai pensar dele, antes de ele abrir a boca, é que ele é no mínimo um vagabundo irresponsável, um crianção e no máximo um músico frustrado.


Mas não é só metaleiros que ficam mal na fita: o sujeito excêntrico que não sabe ou não quer se vestir conforme a ocasião também acaba rejeitado.
O sujeito que anda desleixado, com cabelo bagunçado, roupa surrada, amarrotada, suja e sapato furado também causa desconfiança. Mulher que usa roupa colada ou curta em todo lugar também não é perdoada. 

O jeito é não forçar a barra. Visual adequado é muito importante. Não to falando de usar roupa de marca, não. To falando de ter bom senso. Não custa nada.

Por mais que você se ache diferente, por mais que você queira mostrar ser um diferente diferente, e queira lutar para que os diferentes iguais a você sejam aceitos, faça isso do jeito mais harmônico possível. 
É ruim ter que se explicar, é ruim constranger ou ser constrangido, e ainda por cima por sua própria culpa. Quem paga mico, diverte só os outros.

Trabalho é trabalho, casa é casa, restaurante é restaurante e padaria é padaria. Se você não aprender isso, vai ter porteiros, seguranças, chefes e proprietários que ensinarão como deve ser. Assim é a vida, e não adianta querer impor sua vontade. Ninguém é obrigado a aturar esquisitices e manias. Ninguém é obrigado a adivinhar quem você é.

Se quer ser um esquisito, prepare-se para as consequências. Se quiser ser bem tratado, apresente-se para tal, a menos que você seja podre de rico e olhe lá.


Porque as aparências NÃO enganam. Você é o que você veste.