Feia: Uma história de Terror

Lis 


Chorei litros; pessoal aqui em casa até achou que tinha algo errado comigo e insistiu pra que eu falasse. Eu expliquei que era por causa desse livro, mas acho que ninguém acreditou e ficou parecendo que eu estou escondendo alguma coisa. 

Acabei o livro ontem, mas estou angustiada até agora. 

O pior desse livro não é nem o teor da narrativa; o pior é que o monstro dessa história de terror é REAL. Pode existir aí na sua vizinhança, pode frequentar sua igreja, pode ser da sua família ou estar na sua casa. O monstro da história é uma mãe. 

No maior papo reto, Constance Briscoe, ou Clare, conta como foi perseguida e castigada psicologicamente, moralmente e fisicamente pela própria mãe Carmen, na Inglaterra dos anos 60. 

Constance tinha outros irmãos, mas o bode expiatório era ela. Ela viveu o pior tipo de sofrimento e o pior tipo de solidão, já que ela não tinha amigo nenhum, e não podia contar nem com irmãos, nem com o próprio pai, sempre ausente, sempre esquivo. Além de tudo, ela padecia de enurese noturna; às vezes ela era obrigada a dormir com roupas, cobertores e lençois molhados, isso quando a mãe não lhe tirava a cama, e ela tinha que improvisar um colchão de roupas velhas no chão.  

A única coisa que eu achei meio esquisita na narrativa é a frieza e indiferença dos professores do colégio onde Constance estudava. Tudo bem, os tempos eram outros, e talvez os ingleses sejam mesmo muito frios e indiferentes, mas achei esquisito nenhum professor nunca desconfiar de nada, nem oferecer ajuda, nem quando Constance manifestou um pensamento suicida na aula de religião, nem mesmo quando ela foi pra escola com olho inchado e escoriações da surras que levava em casa. Ou talvez alguém ficasse preocupado e a própria Constance é que não percebia, não conseguia identificar. 

Minto: algumas pessoas até tentaram abordá-la pedindo explicações sobre algumas coisas, mas percebi que ninguém foi além do que ela dizia. Era óbvio que tinha alguma coisa muito errada acontecendo com aquela criança, e que ela estava escondendo a verdade por medo das consequências, mas ninguém queria se envolver muito. Ninguém queria defendê-la. Nenhum carinho por ela. E quando surgiu alguma coisa não era nada verdadeiro; não houve nenhum refúgio, nenhum oásis naquele deserto afetivo.

E eu, leitora, com sangue fervendo, lágrimas nos olhos e sede de justiça fiquei esperando surgir alguém pra fazer alguma coisa, fiquei ansiosa quando alguma figura na história manifestou misericórdia, fiquei querendo mais pela vida de Constance, mas aí aquela faísca de esperança é arrancada do nada, desaparece, some, e sobra um vazio horrível no peito, mais o temor de que as coisas pudessem piorar. 

E pioram. Senti muita aflição quando organismo de Constance começou a sucumbir, lesões apareceram, cabelos caíram quase todos, ninguém foi visitá-la no hospital...      

Cada um é de um jeito né: Eu teria enlouquecido. Minha irmã desistiu. Constance passou por isso, formou-se advogada e nos contou sua história.   

O narcisismo materno não é mencionado nem referenciado no livro. Mas pra quem já sabe o que é esse distúrbio, a história é clara e franca demais. A gente se sente dentro da casa de Constance, vivendo junto com ela, sentindo suas dores, chorando suas lagrimas, amargando a negligência e o abandono, experimentando angustiantes paranoias, enfrentando medos e sofrendo sustos. 

Sendo apenas sincera, Constance expôs a personalidade e o modus operandi desse tipo de mãe. É até difícil de acreditar que isso tudo aconteceu mesmo, porque é tão bizarro, tão bizarro, que a gente fica se perguntando como é que uma criança conseguiu sobreviver em condições tão hostis. 

É tabu falar da própria mãe. E graças à coragem dessa guerreira inglesa, posso imaginar um futuro mais acolhedor aos filhos de narcisistas, que já enfrentam muita desconfiança e descrédito, graças à idealização e até mesmo sacralização da figura materna. 

Essa é uma história de terror, horrível, mas necessária, e para alguns ela é libertadora.